Ismael Nery e suas contribuições para a arte

Ismael Nery foi um destacado pintor brasileiro que viveu entre 1900 e 1934. É considerado pela crítica especializada um dos pioneiros do surrealismo em nosso país, tendo na religião católica uma das mais importantes influências em sua pintura.

Vale lembrar que o surrealismo é um movimento artístico de origem francesa que se caracteriza pela expressão automática e espontânea do pensamento. Os princípios geralmente aceitos pelos seus integrantes consistem na valorização dos impulsos subconscientes, no desprezo da lógica e na rejeição de padrões sociais e, principalmente, morais.

A vida de Ismael Nery

Ismael Nery foi, além de pintor, também poeta e exímio desenhista. Embora tenha nascido em Belém, capital do Pará, muda-se durante a infância para a então capital federal, Rio de Janeiro. Matricula-se, em 1917, na ENBA (Escola Nacional de Belas Artes).

Nesse período, ele se dedica ativamente à produção de cópias em gesso de antigas esculturas greco-romanas. É por meio delas que ele desenvolve um enorme interesse pela representação da figura humana – motivo que tomaria de assalto suas inquietações artísticas e filosóficas.

Na Escola Nacional de Belas Artes assiste as aulas de Henrique Bernardelli, cujos elogios e reiterados incentivos animam o artista a prosseguir seus estudos de arte. Em 1920, viaja para a França, onde frequenta a renomada Academia Julian, permanecendo nessa instituição por 3 meses.

No Velho Continente estabelece seus primeiros contatos com o modernismo, examinando as obras dos artistas cubistas como Jean Matzinger, Fernand Léger, André Lhote, Georges Braque e Pablo Picasso.

Durante sua estadia, conhece de perto boa parte das tradições artísticas europeias. Além da Academia Julian, Ismael Nery demonstra extremado interesse pelo expressionismo alemão. Uma vez na Itália, conhece os quadros produzidos pelos grandes mestres renascentistas, tornando-se admirador das obras deste período.

Nery se devota, principalmente, a Rafael, Michelangelo Buonarroti, Paolo Veronese, Ticiano e Tintoretto. Seu interesse abrange, também, os artistas italianos da modernidade, como o Népoli (pseudônimo de Giorgio de Chirico).

Ao regressar para o Rio de Janeiro, com 18 anos de idade, atua como desenhista de um órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, a Diretoria de Patrimônio Nacional. Nesse trabalho, conhece Murilo Mendes, poeta com o qual trava intensa amizade e que vem a ser um dos maiores incentivadores de suas obras.

Em 1922 desposa a também poetisa Adalgisa Nery, que viria a ser a principal musa de seus quadros. Nesse período aplica, em suas pinturas, princípios filosóficos relacionados a abstração do espaço e do tempo, reunindo-os posteriormente em um sistema que ele chamou de “Essencialismo”.

O artista regressa à França e, em 1927, conhece Marcel Noll, André Breton e Marc Chagall. Quando, pela segunda vez, volta ao Brasil, Ismael Nery inicia a fase surrealista em suas obras, fortemente influenciadas por Chagall.

Aos 30 anos, é diagnosticado com tuberculose: tanto a fragilidade de seu corpo quanto os dramas pessoais que passa a atravessar marcam indelevelmente os seus trabalhos.

Em 1934, aos 33 anos, falece. Seu nome volta a figurar na imprensa em 1948, quando Murilo Mendes publica diversos artigos no jornal “O Estado de São Paulo” visando resgatar as obras filosóficas, literárias e plásticas do artista.

O nome de Ismael Nery passa quase que completamente esquecido pela década de 1950, uma vez que sua obra seria revisitada apenas na metade dos anos de 1960 a partir de exposições realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Metafísica

A personalidade de Ismael Nery é, sem dúvidas, uma das mais inquietas entre os artistas que integraram o chamado “modernismo brasileiro”. Ele se dedicou ao desenho e à pintura sem, no entanto, jamais delimitar seus campos de atuação.

Dessa forma, produziu também reflexões teóricas e poemas. Ao longo de sua vida, não se definiu como artista plástico. Mário Pedrosa, militante socialista e célebre crítico de arte (além de amigo de Nery), relataria que ele nunca se interessou por ser um artista profissional.

Para Ismael Nery, suas pinturas não passavam de um nicho a partir do qual eram formuladas algumas reflexões metafísicas, ou seja, uma forma de materializar suas ideias a respeito do que julgava ser necessário a todos os indivíduos, universalmente, independente do lugar e da época em que estivessem inseridos.

A relação com o Modernismo

Embora tenha trabalhado com formas modernas, a temática central dos quadros de Ismael Nery o diferencia sensivelmente do modernismo brasileiro representado pela Semana de Arte Moderna em 1922, à medida que suas preferências não recaem sobre questões nacionalistas.

Os personagens compostos pelo artista surgem em cenários imaginários, claramente avessos a quaisquer referências reconhecíveis. Ismael Nery trata, basicamente, das figuras humanas idealizadas, ou seja, postas a serviço da figuração simbólica.

Entre os seus retratos, os que denotam uma relação bastante marcada entre as partes escuras e as partes claras (por exemplo, “A Espanhola” e “Retrato de Murilo Mendes”) evidenciam sua vinculação difusa ao movimento modernista.

Expressionismo e Cubismo

Os trabalhos de Ismael Nery continuaram evoluindo. Prova disso é o tratamento geométrico dado a muitas de suas figuras. No ano de 1924, passa a compor suas personagens com formas ovais e cilíndricas.

As mulheres e os homens tornam-se mais estruturados e alongados em cada um de seus quadros, dando a impressão de formas idealizadas, longe do espaço e do tempo aos quais todos os seres humanos encontram-se aprisionados. Dito de outra forma, sua veia expressionista é somada a uma forte influência cubista.

A influência de Marc Chagall, conforme mencionado, leva Ismael Nery a pintar corpos com cores cada vez mais vivas, aparentando uma crescente e progressiva leveza a cada composição.

Não obstante, esse tratamento ocorre a partir de bases eternas, definitivas e absolutas, derivadas da filosofia essencialista de Ismael Nery. Após o diagnóstico da tuberculose que o levaria à morte, as suas figuras tornaram-se esgarçadas, aparecendo, inclusive, com as vísceras expostas em cenários vazios, incorporando, de uma vez por todas, a temática da morte.

De 1930 em diante, o artista, debilitado e enfermo, trabalha menos. Todavia, os seus trabalhos alcançam maior projeção, levando-o a realizar exposições individuais no Rio de Janeiro e em Belém, a sua cidade natal.

Embora não obtenha grande receptividade do público, Ismael Nery integra uma exposição coletiva de pinturas brasileiras em Nova York, participando de importantes salões, como a Exposição da SPAM, em São Paulo, e o Salão Revolucionário, do Rio de Janeiro.