Em meio ao período relativamente desconhecido englobado pelo século XIX, a figura de Almeida Júnior (artista que viveu entre 1850 e 1899) quase sempre é relacionada a um adjetivo um tanto incômodo, qual seja, o de “caipira”.
Esse atributo tem sido vinculado ao grande pintor e desenhista ituano desde as mais antigas publicações a respeito de sua obra, isto é, quando Almeida Júnior ainda vivia, partindo das críticas modernistas e estendendo-se aos textos lançados nos séculos XXI e XX.
Reiteradamente definido como uma pessoa de caráter naturalmente tímido e de modos pacatos, tais características passaram a ser vinculadas à sua produção regionalista e acadêmica, no intuito de justificá-la. Isso significa que os críticos confundiram a obra com o homem, concepção que, infelizmente, foi amplamente difundida ao longo do tempo.
Apenas um “caipira”?
Uma observação mais objetiva e minuciosa da personalidade de Almeida Júnior, todavia, não revela um caipira recatado e ignorante, mas alguém sociável, produtor de obras economicamente rentáveis e bem-relacionado politicamente.
Os questionamentos evidenciam, por outro lado, uma pessoa conectada aos temas artísticos de seu tempo, consciente de sua função social e capaz de promover a articulação de suas produções com as possibilidades mercadológicas.
A fortuna de Almeida Júnior foi construída com sua arte: ele conseguiu conquistar a oficialidade empregando repertórios consagrados no gosto popular, além de oferecer aos tradicionais membros da elite cafeicultoras temas tão diferenciados para a sua época quanto o que atualmente chamamos de “regionalismo”.
Almeida conduziu sua trajetória ao consolidar a imagem de artista já experimentando, profundamente habilidoso e sobejamente premiado. Tanto foi assim, que ele se converteu em um dos mais cobiçados pintores do século XIX, tornando-se um legítimo ícone da civilização paulista.
A compreensão de suas obras, quando desconectadas das habituais amarras conceituais e preconceitos de estilo, permite encontrar um pintor perspicaz, agente cultural das tradições paulistas, voraz estudioso de suas possibilidades e socialmente atuante.
Academia Imperial de Belas Artes
Desde cedo, Almeida Júnior revelou sua inclinação para a pintura e o desenho. Tanto que, aos 19 anos de idade, deixa sua cidade natal, Itu, rumo ao Rio de Janeiro, contando com o apoio financeiro de amigos e parentes, para ingressar na AIBA, a Academia Imperial de Belas Artes.
Ao longo de sua permanência na AIBA, segue a trajetória comum a todos os estudantes que buscavam se formar como pintores acadêmicos, frequentando os dois anos obrigatórios de aulas de desenho, disciplina então considerada como elemento preliminar para um posterior aprendizado de pintura.
Depois, o artista cursa matérias mais específicas, como matemática aplicada, estética, fisiologia e anatomia das paixões, pintura histórica, modelo vivo e desenho figurado e geométrico.
Entre os seus mais destacados professores, encontravam-se Victor Meirelles e Jules Le Chevrel. Almeida Júnior conclui seus estudos no ano de 1874, obtendo destaque pela extrema qualidade de seus trabalhos, fato comprovado pelas condecorações outorgadas nas disciplinas de modelo vivo, pintura histórica e desenho figurado.
Vale ressaltar a conquista da medalha de ouro em virtude da obra “Belizário Esmolando”, quando de sua última participação enquanto estudante da célebre Exposição Geral de Arte da Academia Imperial.
Paris
No seu retorno a Itu, o artista oferece seus serviços em um ateliê próprio como pintor e professor de desenho, realizando uma série de retratos por encomenda. Entre essas obras, Almeida Júnior fez o retrato do presidente da Estrada de Ferro Mogiana, Antônio Queiroz Telles, e o do vice-presidente do Estado de São Paulo, Antônio Pinheiro de Ulhôa Cintra.
Essas obras foram as responsáveis pela conquista de uma bolsa de estudos voltada ao seu aprimoramento no exterior, oferecida diretamente pelo imperador Pedro II. Parte, então, para a tradicionalíssima Escola Nacional de Belas-Artes (École National Supérieure des Beaux-Arts).
Alexandre Cabanel, um dos maiores contestadores do impressionismo, foi um de seus principais professores na capital francesa. A estadia de três anos de Almeida Júnior, aliás, serviu para ratificar, ainda mais, os valores que aprendera na AIBA e, também, para o seu aperfeiçoamento técnico (por exemplo, o domínio da geometria das composições e do desenho).
Entre 1879 e 1882, o artista toma parte no Salão Oficial dos Artistas Franceses, expondo obras consideradas importantes em suas produções. Em 1880, por exemplo, apresenta o “Derrubador Brasileiro”, tida como precursora de sua série de pinturas regionalistas (apesar de ser bem distinta da luminosidade e do caráter realista das obras “caipiras”).
Formando novas gerações de artistas
Em seu retorno ao Brasil, Almeida Júnior realiza, em 1882, uma exposição de suas obras produzidas na França. Ao instalar ateliê na cidade de São Paulo, o artista se torna um dos responsáveis diretos pelo então amadurecimento das artes paulistas.
Com efeito, além de solidificar um relacionamento mais moderno com o mercado local, organizando mostras exclusivas para potenciais compradores e para a imprensa ou escrevendo textos com muitas informações sobre os seus quadros, Almeida Júnior contribui significativamente para a formação da próxima geração de artistas, com Pedro Alexandrino sendo um dos mais talentosos entre eles.
Obras-primas de Almeida Júnior
Ao lado de outros gêneros da pintura, o nosso artista realiza, no último período de sua vida, o conjunto de obras regionalistas pelas quais conquistaria, de uma vez por todas, seu lugar junto à história da arte.
Em pinturas como “O Violeiro” (de 1899), “Apertando o Lombilho” (de 1895), “Amolação Interrompida” (de 1894), “Caipira Picando Fumo” (de 1893) e “Caipiras Negociando” (de 1888), salta aos olhos do público a admiração do artista pelos pintores não-acadêmicos que, contudo, gozaram de grande influência na França ao longo do século XIX, como Jean-Baptiste Camille Corot ou Gustave Courbet, eminente representante do realismo.
Manifesta-se, portanto, uma ânsia de efetivar uma aproximação realista do dia a dia do homem interiorano sem, para tanto, empregar o filtro do universalismo acadêmico. Sendo assim, Almeida Júnior não hesita em retratar o homem do campo em seu ambiente simples e, muitas vezes, pobre.
Almeida Júnior, de fato, realizou essa intenção artística magistralmente, sem jamais ridicularizar ou transformar o “caipira” em uma personagem pitoresca ou anedótica.
Cumpre ressaltar, por fim, que a despeito do fato de que as inovações introduzidas nessas obras evidenciam o caráter extremamente criativo e inovador de Almeida Júnior, o artista nunca abandonou as lições de composição geométrica e desenho presentes ao longo de toda sua extensa formação acadêmica.