A morte de Marat

A morte de Marat, de Jacques-Louis David

Uma das obras que caracterizou muito bem o período neoclássico, o quadro A Morte de Marat, pintado em 1793 pelo francês Jacques-Louis David, tem em seus traços principais algumas das características que melhor destacam esse importante período da história das artes, em especial da pintura.

O neoclassicismo dominou as artes entre as metades dos séculos XVIII e XIX, opondo-se decisivamente contra o que chamavam ‘a pompa’ do barroco e a sensualidade do rococó.

Nasceu das profundas mudanças sociais, políticas e culturais que levaram à independência dos Estados Unidos, em 1776, e à Revolução Francesa, que se iniciou em 1789 e durou pelo menos dez anos.

David, jornalista e revolucionário

A Morte de Marat é uma pintura que está inserida nessa trajetória histórica da humanidade. Marat foi um dos principais líderes da Revolução Francesa e chegou a integrar a Convenção Nacional, que governou a França durante um dos períodos mais truculentos da Revolução.

Dono e jornalista com maior influência no Jornal O Amigo do Povo, tornou-se voz importante do movimento revolucionário e, por isso mesmo, virou membro influente na Revolução.

Jacques-Louis David era seu amigo pessoal e esteve com ele no dia anterior ao seu assassinato. Por isso, os próprios membros da Revolução lhe encomendaram um quadro em memória a Marat.

Assassinato para evitar 100 mil mortes

Como sofresse de uma doença de pele, Marat passava boa parte de seu dia mergulhado em uma banheira, que também servia como sua escrivaninha graças à improvisação de uma madeira logo à sua frente. Essa banheira ficava em seu escritório, um misto de local de banho e de trabalho.

Dia 13 de julho de 1793, uma jovem de nome Charlotte Corday lhe solicitou uma audiência e o esfaqueou no peito, enquanto ele estava mergulhado na banheira.

Dois dias depois, ela foi submetida a um tribunal sumário da Revolução e morta na guilhotina. Ao tribunal, declarou: “Cometi um assassinato para salvar 100 mil pessoas da morte”.

A morte de Marat

Milhares morreram na guilhotina

Esse foi um dos traços marcantes da Revolução Francesa, que revolucionou o pensamento mundial, mas, às custas de muitas mortes. Há cálculos de que, entre 1793 e 1794, ocorreram na França quase 17 mil mortes pela guilhotina por conta da Revolução. Os mortos totais passaram de 40 mil, com 300 mil prisões.

Aliás, esse processo de mortes pela guilhotina não salvou nem mesmo alguns dos líderes do movimento. Camille Desmollins e Danton, dois de seus principais líderes dos primeiros dias, acabaram também na guilhotina sob o argumento de corrupção e falta de firmeza revolucionária, segundo determinação de Robsepierre.

Essa onda de violência só cessou com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder.

Tributo ao que deveria ser um herói

Aparentemente, Jacques-Louis David quis oferecer à morte do amigo um tributo às suas qualidades de herói e líder da Revolução Francesa.

O quadro A Morte de Marat teria como objetivo levar o nome de Marat para toda a história. É o que afirmam alguns dos principais críticos e especialistas em artes do período neoclássico.

É citado o fundo de características neutras e sem outros elementos que distraiam a atenção do espectador. Também o traço de qualidade e precisão e o destaque à anatomia do corpo humano, outras das características desse período, procuram revelar uma pessoa de coragem, levada ao sacrifício.

Retoques para criar um mártir

A aparência de Marat também foi alterada por David, procurando moldá-la à figura de um herói. Quase não há sangue em seu corpo e sua pele em nada reflete a de um homem com uma doença grave, que o obrigava a passar boa parte do dia mergulhado em uma banheira para atenuar a dor.

Ele também foi pintado mais jovem do que efetivamente aparentava na época. O turbante de azeite que está em sua cabeça de fato era usado por ele o dia todo, também para atenuar a doença.

Um quadro devolvido a seu autor

A própria cena do crime também foi alterada no quadro A Morte de Marat por David.

A faca foi colocada no chão, quase no mesmo tamanho da pena que ainda está na sua mão. Na realidade, porém, a faca ficou encravada no seu peito. E não há quase sangue, embora seja possível supor que, após várias facadas, Marat deveria estar fortemente ensanguentado.

Mesmo apesar de todas estas preocupações em modificar e melhorar a imagem do líder político e amigo, Jacques-Louis David viu seu quadro ser desprezado pelos próprios líderes revolucionários já em 1795, quando o quadro lhe foi devolvido.

Ele só retornou à fama e aos holofotes anos depois, graças à ação do crítico de arte e também francês Charles Baudelaire.

A morte de Marat

Emotividade fala da evolução histórica

A Morte de Marat, em todo caso, precisa ser analisado como obra de arte importante do neoclassicismo e, como parte da história, sua concepção precisa ser vista como a homenagem de um artista a uma pessoa assassinada que ele considerava um mártir, herói e, principalmente, amigo.

Há emotividade muito forte nessa obra e, nesse sentido, também pode e deve ser vista como parte de um importante documento histórico, que descreve a ação de um movimento político que ajudou a mudar a face da sociedade francesa, com o fim da monarquia e dos privilégios que ainda gozavam os senhores feudais e a aristocracia que dava sustentação ao rei Luiz XVI.

Uma cena montada por David

A Morte de Marat é uma perfeita obra a exemplificar as principais preocupações artísticas do período neoclássico. Todos os objetos pintados aparecem com uma função e objetivo concretos.

Nada está ali por acaso. O fundo escuro e difuso visa evitar exatamente que a atenção seja desviada desses objetos principais.

Jacques-Louis David montou a cena que queria descrever. Aparecem claramente a banheira rústica (provavelmente era bem mais sofisticada), a faca ao chão (quando estava encravada no peito de Marat), a ferida pequena e pouco sangue, enfim, compõem uma cena fabricada, pouco real.

Em contrapartida ao fundo sem identificação, a luz sobre todos os objetos é clara e as cores destacam-se muito bem. Um crítico diz que essa luz, como se fosse uma fonte a iluminar todo o ambiente, visa exatamente criar uma figura mística, quase religiosa.

Enfim, A Morte de Marat é um fato histórico importante, mas, como obra de arte, destaca-se como exemplo claro de um importante movimento da arte dentro da história.

É a mais correta expressão do neoclassicismo e é assim que deve ser visto e admirado.

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